Data

Date:
04-04-2012
Country:
Brazil
Number:
70047331723
Court:
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
Parties:
Matrisul Equipamentos de Precisão Ltda. v. LOHR Sistemas Eletronicôs Ltda.

Keywords

SALES CONTRACT - BETWEEN TWO BRAZILIAN COMPANIES - REFERENCE TO UNIDROIT PRINCIPLES TO INTERPRET APPLICABLE DOMESTIC LAW (BRAZILIAN LAW)

TERMINATION FOR BREACH OF CONTRACT - ADMISSIBLE ONLY FOR BREACH OF FUNDAMENTAL NATURE (ART. 7.3.1 UNIDROIT PRINCIPLES)

Abstract

Two Brazilian companies entered into a sales contract. Subsequently Buyer brought an action against Seller for breach of the contract due to late delivery and defects of the goods, claiming termination of the contract and the restitution of the price paid together with the payment of a penalty corresponding to 10% of the contract price.

The Court of First Instance decided only in part in favour of Buyer, awarding a price reduction and payment by Seller of the penalty. The Court of Appeal upheld the decision, arguing that in the case at hand termination of the contract was not justified in view of the non-fundamental nature of the Seller’s breach. According to the Court, even Buyer, by retaining the goods for a period of six months after delivery during which it attempted to negotiate with Seller a price reduction, showed that its main interest was to uphold the contract. In support of its reasoning the Court pointed out that Buyer, being a commercial enterprise, could not have been unaware of what is generally accepted by businesses and confirmed, among others, by Article 7.3.1 of the UNIDROIT Principles, i.e. that a party may terminate the contract only if the other party’s breach is fundamental.

Fulltext

(...)

Lohr Sistemas Eletrônicos Ltda. ajuizou ação objetivando o desfazimento de contrato de compra e venda a contento, com indenização de danos morais, em face de Atrisul Equipamentos de Precisão Ltda. e Ivan Antonio Pedron, julgada parcialmente procedente pelo juízo de origem, que assim decidiu na sentença (fls. 282-5):
(...)
ISSO POSTO, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por LOHR SISTEMAS ELETRÔNICOS LTDA. na ação ordinária ajuizada em face de MATRISUL EQUIPAMENTOS DE PRECISÃO LTDA e IVAN ANTÔNIO PEDRON, para condenar os réus ao pagamento, em favor da autora:
a) da multa de 10% sobre os valores efetivamente adimplidos (descontada a quarta parcela);
b) do valor relativo ao abatimento do preço dos moldes em razão dos defeitos apresentados, que deverá ser apurado em liquidação de sentença, por arbitramento, na forma especificada na fundamentação.
Diante da sucumbência recíproca condeno a parte autora ao pagamento de 50% das custas processuais, bem como honorários advocatícios aos réus que fixo em R$ 1.000,00 (mil reais), tendo em vista a natureza da ação e o julgamento antecipado da lide, com fulcro nos §§ 3º e 4º do artigo 20 do CPC. Ainda, condeno os demandados ao pagamento do restante das custas processuais (50%), além de verba honorária ao procurador da demandante fixada em R$ 1.000,00 (mil reais), considerados os mesmos critérios já esclarecidos.
Fica permitida a compensação dos honorários e das despesas, de forma recíproca e proporcional, de acordo com o que dispõem o artigo 21, do CPC, e a Súmula 306 do STJ.

À sentença foram opostos embargos declaratórios (fls. 287-8), parcialmente acolhidos para o efeito de estabelecer a correção monetária pelo IGP-M dos valores pagos desde o seu desembolso, para efeito de cálculo da multa de 10%. (fl. 299/v).
Nas razões da apelação interposta pela empresa demandada (fls. 301-25), alega-se que o molde fabricado apresentou defeitos porque foram retirados antecipadamente da fábrica pela demandante, de modo intempestivo, antes de estar completamente acabado e por sua conta e risco. A parte demandante aceitou o atraso na entrega dos moldes, ocorrendo novação, ocorrendo novação.
A apelação foi recebida no duplo efeito (fl. 326), sem decisão sobre a assistência judiciária gratuita.
Em contrarrazões, a parte demandante requereu o improvimento da apelação (fls. 328-33).
A parte demandante também interpôs recurso adesivo (fls. 334-8), danos morais, não recebido porque deserto (fl. 342), decisão que não foi recorrida.
A demandada, durante o procedimento, faliu, de modo que se exige a participação do Ministério Público, e o Promotor de Justiça opina pelo não conhecimento da apelação por deserção e por inépcia da petição recursal (fl. 344), enquanto o ilustrado Procurador de Justiça opina pelo recebimento da apelação, com o seu improvimento.
É o relatório.
VOTOS
DES. CARLOS CINI MARCHIONATTI (RELATOR)
Apesar do Juízo de origem não ter se manifestado expressamente sobre o pedido de assistência judiciária gratuita, presume-se o seu deferimento, pois o recurso foi recebido e não impugnado nas contrarrazões à apelação.
Por outro lado, também é presumível a insuficiência de recursos da empresa apelante, diante da falência.
Seja como for, segundo a jurisprudência da Câmara, o benefício ora concedido possui efeitos ex nunc, não alcançando a condenação nos ônus de sucumbência da sentença, cuja manutenção é a essência de meu voto, que desde já antecipo.
Quanto à inépcia da petição recursal, esta não se verifica, pois, conforme bem anotado pelo Dr. Procurador de Justiça, as razões recursais impugnam o mérito da sentença, sendo que o fato de vir impressa em rascunho deve-se, muito provavelmente, a erro involuntário de quem a protocolou.
No mérito a apelação deve ser improvida.
Essencialmente, a demandante contratou moldes para fabricação de peças eletrônicas, moldes que não foram entregues no prazo e apresentaram-se com defeito, que motiva a pretensão e justifica a sentença.
Assim, ponho-me de acordo com a sentença proferida pela Juíza de Direito, que reproduziu o parecer do Dr. Promotor de Justiça, criteriosa e exata, naturalmente confirmada por seus próprios e jurídicos fundamentos, os quais agrego ao presente voto como razões de decidir (fls. 282 e seguintes):
Vistos.
LOHR SISTEMAS ELETRÔNICOS LTDA ajuizou Ação Ordinária contra MATRISUL EQUIPAMENTOS DE PRECISÃO LTDA. e IVAN ANTÔNIO PEDRON, narrando que firmou com a empresa ré contrato de “compra e venda a contento”, no qual a demandada se comprometeu a vender-lhe moldes, entregando-os até o dia 16/02/2008. Disse que o contrato foi garantido com fiança, em nome do co-réu Ivan Pedron. Sustentou ter ocorrido o inadimplemento, uma vez que após paga a prestação obrigacional, a ré não entregou os moldes na data estipulada, o que lhe trouxe prejuízo. Relatou que optou por receber os moldes no estado em que se encontravam e que notificou a requerida acerca da inconformidade com a qualidade dos mesmos. Informou que ficou impossibilitada de fornecer peças a outra empresa, com a qual já tinha se comprometido. Discorreu sobre o ato ilícito praticado e os danos morais sofridos. Ao final, postulou a procedência da ação com a restituição das parcelas pagas, o recebimento de indenização pelos danos morais sofridos e o pagamento de multa moratória de 10% sobre o preço total das peças (fls. 02/31).
Citados, os réus contestaram a ação (fls. 111/117), alegando que a autora não pagou a integralidade do valor acordado. Mencionaram que no regime contratual travado entre as partes, enquanto não verificada a condição suspensiva, vigora o regime de comodato. Disseram que a demandante obteve lucro com as peças e que não houve devolução dos produtos. Negaram a ilicitude da conduta e o dever de indenizar. Aduziram, ainda, que o descumprimento contratual ocorreu em virtude de a autora ter recebido determinado componente no momento em que o negócio jurídico estava prestes a chegar a seu termo. Por fim, postularam a improcedência da ação.
A empresa autora replicou, reiterando os termos iniciais (fls. 123/132).
Em audiência de instrução e julgamento (fls. 178/179), foram ouvidas duas testemunhas (fls. 183/192).
As partes apresentaram memoriais (fls. 196/206 e 207/232).
O feito foi convertido em diligência, sendo determinada a realização de prova pericial (fl. 233).
As partes apresentaram quesitos (fls. 235/237v e 238/239).
Aportou aos autos o laudo pericial (fls. 246/257).
Houve manifestação das partes (fls. 259/264 e 265/268).
Foi noticiada a falência da empresa ré, tendo o administrador judicial apresentado manifestação (fl. 274).
O Ministério Público opinou pela parcial procedência da ação (fls. 275/281).
Vieram os autos conclusos para sentença.
RELATEI.
DECIDO.
Presentes os pressupostos processuais de constituição e desenvolvimento válidos do processo.
Inexistentes preliminares a serem analisadas, passo diretamente ao exame do mérito.
DO MÉRITO
Pretende a autora a resolução de contrato bilateral de compra e venda a contento, por suposto inadimplemento da ré, bem como a restituição de valores já pagos, a indenização por danos morais e o pagamento de cláusula penal. Ainda, em pedido sucessivo, requereu o abatimento do preço dos produtos, face aos defeitos apresentados (actio quanti minoris).
Verifico que o parecer do ilustre representante do Ministério Público exaure a questão e, por isso, adoto-o como razões de decidir.
“ (a) Da ação resolutória por inadimplemento, cumulada com o pedido de restituição das parcelas pagas. Não merece guarida tamanha pretensão. É que não houve inadimplemento absoluto a dar ensejo à resolução contratual, senão inadimplemento relativo a caracterizar a MORA. De fato, a ré perpetrou inadimplemento de duas ordens: pelo atraso na entrega das mercadorias e pela má qualidade do produto objeto do negócio jurídico, o chamado adimplemento ruim ou insatisfatório. Ocorre que ambos os casos de quebra contratual não foram bastantes a retirar a utilidade e o interesse do negócio jurídico, junto à credora/autora, traço esse imprescindível à caracterização do estado de mora. Note-se que, na exordial (fl. 09), ela admitiu, expressamente, 'que nos primeiros seis meses de atraso da apresentação dos moldes as partes mantiveram contínuo contato entre si, buscando negociar novos prazos”. Ora, não restam dúvidas de que, ainda que a destempo, a entrega do produto serviu aos seus interesses. No tocante ao adimplemento ruim ou imperfeito, da mesma forma, não foi impeditivo à manutenção do interesse contratual da credora. Não obstante a má prestação por parte da devedora, ainda assim, a relação obrigacional trouxe algo útil à credora, de tal forma que, em face dos princípios da conservação dos atos jurídicos (utile per inutile nos vitiatur), não há razão para sua desconstituição. É o caso em concreto, refletido pelo princípio da boa-fé objetiva que indicou o interesse no recebimento da prestação pela credora, ainda que de forma inadequada e imperfeita. Veja-se que, apesar das imperfeições nos moldes (e tal circunstância restou provada pela perícia), eles foram úteis à autora. Não importa se teve de adequá-los, por intermédio de outra empresa. Essa é uma questão de reparação por perdas e danos em função da validade-eficácia do contrato, mas que não foi objeto da presente demanda. O que é relevante aqui, é o fato de a demandante ter recebido os moldes, mesmo com os defeitos. Então, não pode a autora, porque sociedade empresarial, desconhecer aquilo que objetivamente o meio mercantil admite como vigente, amparado pelas regras da Convenção de Viena de 1980 sobre comércio internacional, pelas regras do INCOTERMS e pelos princípios UNIDROIT (artigo 7.3.1), qual seja a possibilidade estrita de o credor enjeitar o negócio jurídico quando o inadimplemento for de tal ordem fundamental, que viole a essencialidade da avença. Atente-se que, apesar de o adimplemento ter sido ruim, ele foi substancial (substancial performance) o suficiente a obstar a resolução e a reconhecer a plena existência, validade e eficácia do negócio jurídico em pauta.
Fite-se o caso em concreto e perceba-se a utilidade do contrato à credora. Circunstância essa, por ela mesma admitida, consoante os seguintes termos: 'constatando que a entrega dos objetos do contrato em conformidade com as estipulações não ocorreria, para evitar a definitiva ruptura de trato comercial com a terceira empresa, optou por receber os moldes no estado em que se encontravam' (fl. 04). No mesmo sentido, 'vale salientar que apesar de ciente da situação inadequada dos moldes a demandante efetuou o pagamento da terceira parcela'. Contudo, nada pode ser mais sintomático acerca da utilidade do negócio jurídico à autora, do que a intenção de manter-se com os moldes inadequados. Senão, veja-se: 'em que pese sustente a autora que em razão dos defeitos apresentados pelo produto o negócio de compra e venda não se consumou e, dessa forma, os valores pagos antecipadamente devem ser-lhe restituídos, a demandante requer a manutenção dos moldes no estado em que se encontravam' (fl. 14). Sem dúvida alguma, pretensão absolutamente contraditória com o instituto da resolução.
A bem da verdade, o contrato de compra e venda a contento consumou-se (nos termos da lei, 'a venda reputou-se perfeita') porque a credora/autora levou a cabo aquilo que se chama, em teoria geral dos contratos, no que toca à formação negocial, comportamento concludente. Aceitou renegociar os prazos de entrega; aceitou os moldes no estado em que se encontravam.
(b) Do pedido condenatório em face de danos morais. Assim como o item anterior, não socorre razão à autora. Não há dúvidas de que a pessoa jurídica é sujeita de direitos à indenização por danos morais os quais porventura sofra. Contudo, conforme enunciado nº 159 da 3ª Jornada de Direito Civil, no tocante à interpretação do art. 186, do CC, “o dano moral, assim compreendido todo dano extrapatrimonial, não se caracteriza quando há mero aborrecimento inerente a prejuízo material”. Foi justamente o que ocorreu no presente caso. Isto é, efeitos negativos da mora que, sem dúvida, podem acarretar prejuízos patrimoniais ao credor (mas que, novamente, não foram objeto da ação). Contudo, não são suficientes, por si só, a caracterizar angústias, abalos e constrangimentos aos direitos de personalidade da sociedade empresária autora.
(c) Do pedido condenatório ao pagamento de multa. Merece acolhimento, na medida em que há previsão contratual (cláusula 4ª, fl. 41) que o substancie. Sabe-se que há duas espécies de cláusulas penais: as compensatórias e as moratórias. As primeiras, ligadas à reparação em virtude do rompimento do negócio jurídico, em face do inadimplemento absoluto; as segundas, exigíveis em face do inadimplemento relativo, caracterizador da mora. Note-se que a execução da cláusula penal moratória não está ligada à resolução, mas simplesmente ao adimplemento tardio ou ruim, como justamente parece ter havido no presente caso. Com relação à sua mensuração, é preciso, salvo melhor Juízo, uma ressalva. Note-se que o contrato prevê a multa moratória no valor de 10% sobre o valor da venda. Ocorre que, das quatro parcelas as quais a autora comprometera-se a pagar, em função do contrato, apenas três foram quitadas por ela. Então, à luz do art. 413 do CC, deve haver uma redução equitativa da pena, a abranger apenas o montante que foi, efetivamente pago.
(d) Do pedido de 'abatimento do preço em razão dos defeitos do produto'. Trata-se de ‘actio quanti minoris’. Para o Ministério Público a autora tem razão de direito a tanto, porquanto provado, pela perícia, a desconformidade do produto com aquilo que fora ajustado. Então, se à credora, por tudo que já foi supra referido, não é dado almejar resolução, é plenamente justificado o pedido de abatimento do preço, a fim de tornar equânime o contrato. No presente caso, o norte da justiça deve estar direcionado a quem certat de damno vitando. Para tanto, deve-se buscar em liquidação por arbitramento, o justo preço que os moldes no estado em que foram entregues, assim certificados pelo laudo técnico já realizado, efetivamente valem”.
Do exposto, impõe-se o reconhecimento do direito da autora, ao recebimento da multa prevista na cláusula 4ª do contrato entabulado (fl. 41), no valor de 10%, que deverá ser aplicada sobre os valores efetivamente pagos pelos moldes (descontada, portanto a quarta parcela, que não foi adimplida).
Ainda, procedente o pedido de abatimento no preço dos produtos, que deverá ser calculado através da diferença entre os valores pagos pela autora e o valor que efetivamente possuíam os moldes entregues, que será apurado em liquidação de sentença por arbitramento.
ISSO POSTO, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por LOHR SISTEMAS ELETRÔNICOS LTDA. na ação ordinária ajuizada em face de MATRISUL EQUIPAMENTOS DE PRECISÃO LTDA e IVAN ANTÔNIO PEDRON, para condenar os réus ao pagamento, em favor da autora:
a) da multa de 10% sobre os valores efetivamente adimplidos (descontada a quarta parcela);
b) do valor relativo ao abatimento do preço dos moldes em razão dos defeitos apresentados, que deverá ser apurado em liquidação de sentença, por arbitramento, na forma especificada na fundamentação.
Diante da sucumbência recíproca condeno a parte autora ao pagamento de 50% das custas processuais, bem como honorários advocatícios aos réus que fixo em R$ 1.000,00 (mil reais), tendo em vista a natureza da ação e o julgamento antecipado da lide, com fulcro nos §§ 3º e 4º do artigo 20 do CPC. Ainda, condeno os demandados ao pagamento do restante das custas processuais (50%), além de verba honorária ao procurador da demandante fixada em R$ 1.000,00 (mil reais), considerados os mesmos critérios já esclarecidos.
Fica permitida a compensação dos honorários e das despesas, de forma recíproca e proporcional, de acordo com o que dispõem o artigo 21, do CPC, e a Súmula 306 do STJ.

Como se vê, as razões recursais não superam os fundamentos da douta sentença, que deve prevalecer, negando-se provimento ao recurso de apelação.
Nego, portanto, provimento ao recurso de apelação.}}

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