Data
- Date:
- 07-12-2011
- Country:
- Brazil
- Number:
- TC 007.103/2007-7
- Court:
- Tribunal de Contas da União
- Parties:
- --
Keywords
LONG-TERM CONTRACTS - CONSTRUCTION CONTRACT - BETWEEN A BRAZILIAN OIL COMPANY AND FOREIGN COMPANIES
HARDSHIP - ARTICLES 6.2.1 TO 6.2.2 UNIDROIT PRINCIPLES EXPRESSION OF LEX MERCATORIA
HARDSHIP - SUBSTANTIAL APPRECIATION OF A PARTICULAR NATIONAL CURRENCY (BRAZILIAN REAL) VIS-A-VIS ANOTHER NATIONAL CURRENCY (U.S. DOLLAR) - EVENT FORESEEABLE AT TIME OF CONCLUSION OF CONTRACT - HARDSHIP EXCLUDED
Abstract
PETROBRAS, a Brazilian oil company, entered into a series of agreements with foreign companies for the construction of oil platforms off the coast of Brazil (the “Agreements”). Under the Agreements the foreign companies were required to allocate a portion of the work to Brazilian companies (“conteúdo nacional mìnimo”). The portion was calculated in Brazilian reals while the contract price was expressed in U.S. dollars. When subsequently there was a substantial appreciation of the Brazilian real against the U.S. dollar, the foreign companies claimed that this was causing a substantial decrease in their profits and requested PETROBRAS to re-negotiate the contract price. PETROBRAS agreed to revise the price so as to restore the original proportion between it and the portion of the work allocated to Brazilian companies, but after having done so the Brazilian tax authorities brought an action before the Brazilian Court of Accounts (“Tribunal de Contas da União”) claiming that in the case at hand the conditions for hardship as set out in Article 478 of the Brazilian Civil Code were not met.
The Court pointed out that, in view of the fact that the parties had chosen English law as the law governing their agreements, it had to be decided first of all whether to apply the national public order, i.e. Article 478 of the Brazilian Civil Code, or the international public order as expressed by the lex mercatoria. Without taking a definite position on this point, the Court found that even if it applied the lex mercatoria – and in particular Articles 6.2.1 – 6.2.2 of the UNIDROIT Principles which represent one of its main sources – the decision would be the same, i.e. that in the case at hand the requirements for hardship were not met. In particular the Court pointed out that the appreciation of the Brazilian real against the U.S. dollar was foreseeable at the time of the conclusion of the Agreements and that therefore the risk of such an event must have been assumed by the foreign companies. As a result the Court ordered the foreign companies to pay PETROBRAS a sum corresponding to the increase in profit it obtained on account of the revision of the contract price.
Fulltext
(...)
Da possibilidade de caracterização dos contratos de EPC das plataformas P-52 e P-54 como contratos internacionais e da eventual aplicação da legislação internacional.
Ainda que, apesar da fundamentação acima, chegue-se à conclusão de que não seja aplicada a legislação brasileira ao caso em comento, cabe esclarecer que a Teoria da Imprevisão ou da Onerosidade Excessiva não são exclusivas do nosso ordenamento jurídico, mas têm suas origens até mesmo antes do Direito Romano com sua cláusula rebus sic stantibus, conforme lição de Sílvio Venosa (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. Vol. 2. 4ª Ed. Editora Atlas. São Paulo: 2004. p. 481). Além disso, como se verá adiante, as referidas teorias encontram amparo, também, no Direito Internacional Privado.
Primeiramente, será analisado se os contratos de EPC das plataformas P-52 e P-54 podem ser ou não, segundo ampla doutrina, considerados como contratos internacionais, e, daí, se verá qual seria a legislação aplicável.
Conforme lição de Sandra Yonekura (YONEKURA, Sandra Yuri. O contrato internacional. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 146, 29 nov. 2003. Disponível em: . Acesso em: 17 jul. 2008), a legislação brasileira, evidenciada no art. 2º do Decreto-Lei n.º 857/69, dispõe que ‘o contrato internacional será aquele que possuir elementos que permitam vinculá-lo a mais de um sistema jurídico e tiver por objeto uma operação que envolva o duplo fluxo de bens pela fronteira’. Segundo a aludida autora, a diferença fundamental do contrato internacional para o contrato de direito interno é que naquele as cláusulas concernentes à capacidade, ao objeto e à sua conclusão relacionam-se com mais de um sistema jurídico, seja, entre outros, pelo lugar de execução das obrigações, do lugar de conclusão, ou pelo destino dos bens ou direitos objetos do contrato.
Na doutrina de Irineu Strenger, ‘são contratos internacionais do comércio todas as manifestações bi ou plurilaterais da vontade livre das partes, objetivando relações patrimoniais ou de serviços, cujos elementos sejam vinculantes de dois ou mais sistemas jurídicos extraterritoriais, pela força do domicílio, nacionalidade, sede principal dos negócios, lugar do contrato, lugar da execução, ou qualquer circunstância que exprima um liame indicativo de Direito aplicável’ (STRENGER, Irineu. Contratos internacionais do comércio. 4ª ed. São Paulo: LTr, 2003).
Nos contratos de EPC da P-52 e da P-54, as partes expressamente elegeram que eram submetidas à legislação inglesa e ao Tribunal de Londres. Entretanto, essa intenção das partes não afasta, conforme ensinamento de Sandra Yonekura, os obstáculos de ordem pública, o controle da internacionalidade do contrato pelo juiz ou a ocorrência de fraude, enquanto elementos impeditivos da eficácia do contrato (YONEKURA, Sandra Yuri. O contrato internacional. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 146, 29 nov. 2003. Disponível em: . Acesso em: 17 jul. 2008).
De acordo com a aludida autora, no que se refere à escolha da lei aplicável, vários países adotam a lei do local de execução do contrato, ‘norma esta que a lei brasileira segue nos termos do parágrafo 1 do artigo 9º da LICC. Adota-se, também, o local de execução para a determinação da competência, como ocorre na lei brasileira (art. 12 da LICC e art. 88, II, do Código de Processo Civil)’.
Quanto à observância da ordem pública, na qual se inserem os institutos da Teoria da Imprevisão e da Onerosidade Excessiva, depreende-se do texto da citada autora que a legislação eleita pelas partes (inglesa) não poderá em hipótese alguma ofender a ordem pública internacional, caso em que a lei estrangeira aplicável será afastada.
Nesse sentido, cabe transcrever o disposto no art. 17 do Decreto-Lei n.º 4.657/42 (LICC), asseverando que ‘as leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes’.
Segundo Sandra Yonekura, ‘o Direito Internacional possui uma variante da cláusula rebus sic stantibus, onde toda e qualquer relação contratual que gera obrigações pode ser alterada e até extinta quando da argüição das cláusulas de revisão (hardship clause), freqüentes nos contratos internacionais e, em particular, nos de longa duração, que tem o propósito de prevenir os casos de adversidade, infortúnio, necessidade ou privação (de fatos ou circunstâncias) que as partes possam sofrer’ (YONEKURA, Sandra Yuri. O contrato internacional. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 146, 29 nov. 2003. Disponível em: . Acesso em: 17 jul. 2008).
A questão que se pretende enfrentar é se os indícios de irregularidades tratados nos presentes autos referentes à inexistência de suporte fático e jurídico para a concessão de reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos em comento, matéria de ordem pública, são aplicáveis a contratos internacionais regidos pela legislação inglesa e com eleição de foro arbitral e comum no Reino Unido.
Importante lição nos dá Leandro de Mello Schmitt e Valéria Figueiró Santoro (SANTORO, Valéria Figueiró; SCHMITT, Leandro de Mello. Algumas considerações iniciais sobre os contratos internacionais, no Direito Internacional Privado brasileiro. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, n.º 203. Disponível em: Acesso em: 17 jul. 2008), ao tratarem da questão da legislação aplicável (lex mercatoria) ao contrato internacional, nos termos do Direito Internacional Privado e das regras internacionais previstas na Convenção de Viena de 1980, no Instituto Internacional de Unificação do Direito Privado - UNIDROIT, na Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional - UNCITRAL – ONU e nas leis uniformes da CCI – Câmara de Comércio Internacional de Paris, a qual é transcrita a seguir.
Também cabe afirmar que alguns Estados nacionais têm dificuldades em admitir o que se convencionou chamar de nova Lex Mercatoria, não lhe outorgando o status de fonte oficial de Direito. Isto, a toda evidência, limita a atividade resultante da autonomia de vontade das partes, principalmente no que toca à escolha do conteúdo normativo que regerá a avença. No caso do Direito Internacional Privado brasileiro, isto é visível quando o próprio Estado determina, por exemplo, que estão as partes sujeitas, em um contrato internacional, à lei do lugar da sua celebração (art. 9ª, caput, da LICC) e, em alguns casos, à lei do lugar da sua execução. Desta forma, sendo eleito o foro brasileiro e/ou fixada a competência do Judiciário brasileiro em razão do disposto ao artigo 88 do CPC, estaria o juiz obrigado a observar as regras conflituais do foro para fins de fixação não só da jurisdição, mas também para a determinação da lei substantiva aplicável ao negócio jurídico sub judice, configurando aqueles dispositivos, por derradeiro, verdadeira cláusula de reserva legal ou de ordem pública, apta a afastar a autonomia da vontade, salvo se esta tiver recaído na escolha do Direito brasileiro, como foi reiteradamente manifestado em julgados da lavra do Supremo Tribunal Federal – STF. (grifo nosso)
Ainda sobre esse assunto, colaciona-se o entendimento de Rodrigo Giostri da Cunha que, ao tratar da aplicação do direito a contratos internacionais, assevera que ‘o contrato internacional de trabalho será regido, tanto em seus aspectos internos quanto externos, pela lei do local em que se der a prestação de serviços’, sendo esta a regra geral (CUNHA, Rodrigo Giostri da. Contrato Internacional de Trabalho – Transferência de empregados. Texto extraído do site: www.socejur.com.br/artigos/direito_internacional.doc).
Em análise sobre esse tema, Marçal Garay Bresciani (BRESCIANI, Marçal Garay. O princípio da autonomia da vontade na escolha do direito material aplicável aos contratos internacionais. Site: http://www.contratointernacional.com.br/index.php?codwebsite=&codpagina=00009353&codnoticia=0000003340) afirma que o princípio da autonomia da vontade em direito internacional privado tem menor amplitude, significando que as partes apenas têm liberdade de exercer sua vontade, tendo em vista a escolha da legislação à qual querem submeter sua convenção, sob reserva de respeitarem a ordem pública, in verbis:
‘No Brasil, o elemento de conexão aplicável às obrigações contratuais está regido pelo art. 9o da Lei de Introdução ao Código Civil, de 1942, que é omisso quanto à admissão da autonomia da vontade das partes como elemento de conexão. Deste modo, do ponto de vista legal, o entendimento majoritário é de que o Brasil não considera válido o princípio da autonomia da vontade no que diz respeito à escolha do direito material aplicável ao contrato.
(...)
Perante o Supremo Tribunal Federal, merece destaque o acórdão proferido no julgamento do Recurso Extraordinário n.º 93.131-MG, julgado em 17 de dezembro de 1981, onde foi relator o Ministro Moreira Alves. Rico em citações doutrinárias e contendo uma análise minuciosa sobre o caso concreto levado à instância extraordinária, o acórdão deixa claro que o STF não reconhece o princípio da autonomia da vontade na escolha do direito material aplicável. Embora nem todos os Ministros tenham se manifestado expressamente sobre a matéria, aqueles que o fizeram, entre eles o eminente relator, trataram de afastar por completo o princípio da autonomia da vontade na escolha do direito material.
Como cediço, não obstante tratar-se de acórdão proferido há mais de 20 anos e ante o fato de não haver outros julgados que tenham enfrentado a matéria recentemente, este ainda serve de parâmetro acerca do posicionamento do Judiciário brasileiro. Todavia, com a publicação da CIDIP-V, contando com uma interpretação sistemática ou até mesmo política, é possível que a mais Alta Corte brasileira possa alterar o seu posicionamento, passando a aceitar o princípio da autonomia da vontade na escolha do direito material. Mas isto, infelizmente, ainda é apenas uma esperança.
No mesmo sentido é o ensinamento de Ana Paula Martins Amaral, ao lecionar que a autonomia da vontade, princípio fundamental na realização dos contratos internacionais, permite às partes a escolha da lei para reger a obrigação (lex mercatoria), a qual não pode contrariar a ordem pública dos Estados envolvidos na relação. Conforme a autora, a ‘autonomia da vontade seria assim o acesso permitido aos usos e costumes internacionais para figurarem nos contratos, mas não os validariam como ‘direito’ e sim como complemento do direito nacional aplicável ao caso concreto’.
Vale dizer, ainda, que, em se tratando de contrato regido pela autonomia da vontade, esse princípio encontra limite (AMARAL, Ana Paula Martins. Lex mercatoria e autonomia da vontade. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 592, 20 fev. 2005. Disponível em: . Acesso em: 17 jul. 2008). Na visão de Vladmir Silveira:
‘Atualmente, encontra maior subsídio no âmbito internacional o subjetivismo moderado, considerando-se instituída de valor pleno a cláusula de eleição de direito no contrato internacional, constando como mais significativo obstáculo à aplicação do princípio da autonomia da vontade nos contratos internacionais a ofensa à ordem pública.
Com propriedade, já ensinava Pontes de Miranda que ‘não há autonomia absoluta ou ilimitada de vontade; a vontade tem sempre limites, e a alusão à autonomia é alusão ao que se pode querer dentro desses limites’. Entretanto, mesmo essa limitação encontra-se cada vez mais diminuta, visto que as atividades do comércio internacional distanciam-se da ordem pública, que por sua própria omissão ou restrição deram ensejo à criação da lex mercatoria.’ (grifos nossos). (SILVEIRA, Vladmir Oliveira da. A CLÁUSULA DE HARDSHIP NOS CONTRATOS DE COMÉRCIO INTERNACIONAL. REVISTA TRIBUTÁRIA E DE FINANÇAS PÚBLICAS. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, a. 13 n. 65, nov./dez. 2005. p. 243)
Pela pertinência do tema, é primordial trazer, também, doutrina acerca dos contratos internacionais relacionados à indústria do petróleo, com o fito de contextualizar juridicamente a questão. Nesse sentido, transcreve-se lição de Diogo Pignataro de Oliveira, in verbis:
‘É difícil imaginar no mundo de hoje uma transação da indústria de petróleo e gás que não envolva algum tipo de componente internacional. Há, quase sempre, ao menos algum elemento que estabeleça a conexão entre dois ou mais sistemas jurídicos, seja a nacionalidade ou domicílio dos contratantes, seja o local de execução do contrato, seja até a lei escolhida para reger aquela relação.
(...)
Nesse diapasão, os contratos internacionais de venda de petróleo cru e gás natural não são formulados em um ambiente diferente: as partes falam muitas vezes línguas diferentes e freqüentemente redigem contratos e se obrigam em uma terceira língua; elas sujeitam-se a contratos onde o direito aplicável é variável; existe a possibilidade de aplicação de, no mínimo, dois ordenamentos jurídicos distintos, no que a previsão da solução de litígios advindos se transfigura como um dos pontos mais importantes dentro dos contratos internacionais; as exportações e importações de recursos naturais como petróleo e gás se sujeitam a políticas governamentais totalmente instáveis em face da posição estratégica que tais bens possuem na condução dos interesses nacionais dos países soberanos; mudanças na cotação da moeda pelo qual o contrato foi indexado e sua relação com as moedas dos países dos contratantes; a enorme volatilidade do preço desse tipo de mercadoria no mercado internacional entre a data do contrato e a da entrega; crises políticas; guerras; adoção de acordos bilaterais favorecedores; e etc.
(...)
O principal princípio de Direito Contratual Internacional é, sem dúvida, o princípio da autonomia da vontade. Esse princípio regula e estrutura o conteúdo dos contratos, permite a liberdade de contratação, abrangendo com quem e sobre o que contratar, em face inclusive da falta de sistematização ou harmonização completa das regras de conflitos em matéria de contratos internacionais, o que faz nascer uma faceta que o diferencia quando da sua aplicação no direito interno. Permite ele a escolha da lei aplicável, sob qual ordenamento irá se debruçar uma provável e futura lide. Enquanto que no direito interno ele se limita a estabelecer certos efeitos para o contrato que estão celebrando.
Entretanto, como limite imposto à vontade das partes, encontra-se a supremacia da ordem pública, princípio também basilar, devendo este prevalecer em todos os casos uma vez que a liberdade de manipular uma relação jurídica deve sempre esbarrar em limites que não permitam a anarquia em sede contratual.
A obrigatoriedade da convenção entre as partes (princípio pacta sunt servanda) emerge como que quase uma imposição nos contratos internacionais, pois tem como fundamento a necessidade de segurança nos negócios jurídicos, sejam eles internos ou internacionais. Seu conteúdo é intangível e faz lei entre as partes, porém tal princípio pode ser relativizado, nunca em face de decisão unilateral das partes, mas em ocorrendo caso fortuito ou situação de forca maior que impeça a sua execução.
Uma cláusula bastante freqüente nos contratos internacionais sobre essa questão é a cláusula hardship que se assemelha à teoria da imprevisão francesa por tentar solucionar adversidades criadas. De acordo com Jairo Silva Melo:
‘Essa cláusula foi concebida para possibilitar um ajuste convencional na ocorrência de uma circunstância futura e imprevista no momento da conclusão do contrato, que viesse a causar uma alteração econômica, de modo que a execução do contrato se tornasse impossível, seja temporária ou definitivamente e anormalmente onerosa para uma das partes’. (1999, p. 83).
Outro princípio extremamente relevante e por demais em voga no momento atual, em face da impessoalidade das relações jurídicas internas e internacionais modernas é o princípio da Boa-fé. Presume-se que as partes procederam com lealdade e confiança recíprocas na intenção de contratar (boa-fé subjetiva), bem como se exige que as mesmas atuem segundo determinados padrões (boa-fé objetiva). A Convenção de Viena para a Venda Internacional de Mercadorias de 1980 adotou tal princípio em seu art. 7º que diz: ‘ter-se-á em conta o seu caráter internacional, bem como a necessidade de promover a uniformidade da sua aplicação e de assegurar o respeito da boa-fé no comércio internacional. (grifos nossos). OLIVEIRA, Diogo Pignataro de. Os contratos internacionais e a indústria do petróleo . Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1532, 11 set. 2007. Disponível em: . Acesso em: 17 jul. 2008.
Ainda que se afaste a aplicação da Teoria da Imprevisão prevista na legislação brasileira, seja no Direito Público (Lei n.º 8.666/93), seja no Direito Privado (Código Civil), como querem a Petrobras/PNBV e as contratadas, cumpre ressaltar que, mesmo em se tratando de Direito Internacional Privado, tem-se, como uma das possibilidades de aplicação da Teoria da Imprevisão, a chamada hardship clause (onerosidade excessiva).
Segundo Leonardo Gomes de Aquino (AQUINO, Leonardo Gomes de. Hardship: o mecanismo de alteração contratual. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 257, 21 mar. 2004. Disponível em: . Acesso em: 17 jul. 2008), os artigos previstos nos princípios do International Institute for the Unification of Private Law - UNIDROIT contêm as regras básicas sobre a formação, validade, interpretação, cumprimento, resolução e indenização dos contratos comerciais (Harmonization of contract law and its impacts on China’s contract law, de Zhang Yuejiao, disponível no site: www.uncitral.org/pdf/english/congress/Zhang.pdf, o qual, em tradução livre: ‘UNIDROIT foi fundado em 1926, sob a égide da Liga das Nações, com sede em Roma e contando com 61 países, tais como França, Alemanha, Reino Unido, EUA, Rússia e China. As atividades do instituto são dirigidas por um conselho governante que consiste em 25 advogados e professores de Direito eminentes dos países participantes’).
A seguir, transcreve-se trecho de texto disponibilizado pelo UNIDROIT em língua espanhola (www.unidroit.org/spanish/principles/contracts/principles2004/blackletter2004.pdf):
PRINCIPIOS UNIDROIT SOBRE LOS CONTRATOS
COMERCIALES INTERNACIONALES 2004
SECCIÓN 2: EXCESIVA ONEROSIDAD (HARDSHIP)
ARTÍCULO 6.2.1
(...)
ARTÍCULO 6.2.2
(...)
ARTÍCULO 6.2.3
(...)
De acordo com o aludido autor, a visão adotada nos princípios do UNIDROIT é a de não vislumbrar o contrato de forma instantânea quanto à sua conclusão, ou seja, vê o avençado como sendo um processo direcionado a um fim que é a sua execução, admitindo que, durante o seu cumprimento, as circunstâncias preestabelecidas estão sujeitas a alterações. Abre-se, assim, espaço à aplicação do que, na prática dos contratos internacionais, se denomina por cláusula de hardship ou, simplesmente, princípio da alteração das circunstâncias contratuais, por ser imperativo de justiça no âmbito de alguns Estados (AQUINO, Leonardo Gomes de. Hardship: o mecanismo de alteração contratual. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 257, 21 mar. 2004. Disponível em: . Acesso em: 17 jul. 2008).
O cumprimento de um contrato está sujeito a sofrer modificações, sendo raros os casos em que o adimplemento se dará de forma idêntica à pactuada. Entretanto, se as referidas alterações acarretarem uma onerosidade excessiva aos contratantes, gerando um desequilíbrio fundamental do pactuado, estes poderão fazer uso, conforme dispõe o art. 6.2.1 dos princípios do UNIDROIT, do hardship.
Segundo o citado autor, o contrato deve ser cumprido enquanto for possível e independentemente do custo que possa impor ao devedor, embora os princípios do UNIDROIT, ao assimilarem o instituto do hardship, admitam que o contrato deva prevalecer enquanto existir o status quo que presidiu a sua celebração.
De acordo com o disposto no artigo 6.2.2 dos princípios do UNIDROIT, para se aplicar o instituto do hardship, além de ter de existir um evento que altere fundamentalmente o equilíbrio contratual, seja por aumento do custo do cumprimento das obrigações ou por diminuição do valor da contraprestação, devem ser observados, cumulativamente, os seguintes requisitos (AQUINO, Leonardo Gomes de. Hardship: o mecanismo de alteração contratual. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 257, 21 mar. 2004. Disponível em: . Acesso em: 17 jul. 2008):
a) os eventos que desequilibraram o contrato aconteceram ou chegaram a ser conhecidos pela parte em desvantagem após a celebração do contrato;
b) não seja razoável supor que a parte em desvantagem poderia ter em conta esse eventual desequilíbrio na época da celebração do contrato;
c) os eventos que ensejaram o desequilíbrio fugiram ao controle da parte em desvantagem;
d) o risco de tais eventos não foi assumido pela parte em desvantagem.
Em relação ao art. 6.2.2 dos princípios do UNIDROIT, citando Vladmir Silveira, haverá hardship quando houver cumulativamente (a) imprevisibilidade do evento, (b) inevitabilidade, (c) exterioridade em relação à vontade das partes, (d) grande dificuldade na execução do contrato, (e) onerosidade excessiva para uma das partes, quando do cumprimento da obrigação, e, consequentemente, (f) desequilíbrio contratual (SILVEIRA, Vladmir Oliveira da. A cláusula de hardship nos contratos de comércio internacional. Revista tributária e de finanças públicas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, a. 13 n. 65, nov./dez. 2005. p. 243).
Analisando o caso concreto, quanto ao requisito da imprevisibilidade, verifica-se que o evento que deu origem ao desequilíbrio contratual, apreciação imprevista e extraordinária do real frente ao dólar, do aquecimento de mercado e do aumento inesperado do preço do aço, aconteceu em momento posterior à celebração do contrato, cumprindo-se, assim, esse primeiro requisito.
No que se refere ao segundo requisito da inevitabilidade, é necessário examinar a razoabilidade e a previsibilidade das contratadas de poderem antever a ocorrência do desequilíbrio contratual (apreciação do real, aquecimento de mercado e aumento do preço do aço) no momento da celebração do contrato.
No caso da possibilidade de apreciação do real frente ao dólar, como já explanado anteriormente, na época da celebração dos contratos em tela, vigia, há muito, no Brasil, desde 18/01/1999, o regime de câmbio flutuante, no qual a cotação do dólar frente ao real era determinada pelo mercado, não cabendo mais ao Governo estipular bandas ou fixar o câmbio como antes. Assim, considerando que não se podia ‘controlar’ o mercado, a oscilação do câmbio era inerente ao próprio sistema cambial adotado e às execuções dos contratos em comento.
Nesse sentido, conforme lição de Leonardo Gomes de Aquino, trata-se, em suma, de se avaliar a existência de inevitabilidade, devendo os fatos que ensejaram o desequilíbrio estarem ‘fora da esfera de domínio causal sendo, portanto, inevitáveis’. Sobre esse ponto, cabe transcrever entendimento do aludido autor no sentido de que:
‘Neste ponto, é curioso o facto de se ter abandonado qualquer referência à vontade da parte. Pretendeu adoptar-se um critério puramente objectivo, como se pode constatar no texto português que elucida ‘acontecimentos que escapam ao controle da parte lesada’. Nomeadamente, é preciso que a parte afectada não pudesse ou devesse, em nome do princípio da boa-fé e também do dever de colaboração entre partes, evitar que os factos em causa tivessem aquelas reflexões sobre o contrato. (grifo nosso). AQUINO, Leonardo Gomes de. Hardship: o mecanismo de alteração contratual. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 257, 21 mar. 2004. Disponível em: . Acesso em: 17 jul. 2008.
Sobre esse ponto, constata-se que a observância do princípio da boa-fé encontra respaldo no nosso ordenamento jurídico, desde a fase pré-contratual até a fase pós-contratual, por força do art. 422 do Código Civil, o qual estabelece que ‘os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé’.
Quanto aos riscos que são abrangidos pela cláusula de hardship, traz-se lição de Vladmir Silveira, asseverando que ‘o risco enquanto elemento relevante à incidência da cláusula de hardship deverá ser incontrolável e não assumido pelas partes, implícita ou expressamente. Caso contrário, tem-se a incidência do pacta sunt servanda, ainda regra geral na celebração dos contratos, conservando-se a segurança jurídica dos contratos e a boa-fé dos contratantes’ (SILVEIRA, Vladmir Oliveira da. A cláusula de hardship nos contratos de comércio internacional. Revista tributária e de finanças públicas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, a. 13 n. 65, nov./dez. 2005. p. 243).
Segundo Leonardo Gomes de Aquino, ‘não haverá hardship, se a parte afectada tiver assumido o risco da alteração das circunstâncias. Como resulta do comentário ao preceito em questão, os riscos não precisam ter sido assumidos expressamente, uma vez que pode decorrer da própria natureza do contrato, como na situação típica de operações especulativas’ (AQUINO, Leonardo Gomes de. Hardship: o mecanismo de alteração contratual. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 257, 21 mar. 2004. Disponível em: . Acesso em: 17 jul. 2008).
Cabe, ainda, trazer última consideração do citado autor, no sentido de que, nos princípios do UNIDROIT, ‘prevalece a força vinculativa do contrato, mas se admite a alteração do contrato com a indicação do mecanismo de hardship’. Assim, ainda que, segundo as leis inglesas, seja presente a autonomia de vontades das partes, estas devem observância aos princípios de Direito Internacional Privado estabelecidos pelo UNIDROIT, tais como o hardship.
Diante do exposto, não merece prosperar o entendimento exarado no parecer do escritório internacional (fls. 92/102 do Anexo 24), pois, de acordo com as considerações acima, o Direito Internacional Privado estabelece que, em situações de onerosidade excessiva (hardship), a autonomia de vontades não é absoluta, como quis transparecer o parecerista, mas deve observar princípios de ordem pública.
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Source
Fulltext in Portuguese available at the Tribunal de Contas da União website, http://www.tcu.gov.br/}}