Data
- Date:
- 09-05-2019
- Country:
- Brazil
- Number:
- 0305428-39.2014.8.24.0038
- Court:
- Court of Appeal, State of Santa Catarina
- Parties:
- Linder Aktiengellschaft Decken, Boden, Trennwandsteme v. Orientador Alfandegário Comercial Importadora e Exportadora Ltda
Keywords
FORMATION OF CONTRACT - WRITTEN FORM NOT NECESSARY (ART. 11 CISG)
BUYER'S OBLIGATION TO PAY THE PRICE (ART. 53 CISG)
Abstract
[Abstract prepared by Catharina Pizzio Gonzales da Cunha, Universidade Federal do Rio Grande do Sul]
A Brazilian importer entered into a contract with a German company for the supply of products to be resold to another company in Brazil. The German company delivered the goods, but the Brazilian importer did not pay the corresponding price. When the German company brought an action against the Brazilian importer for the recovery of the price, the latter alleged that it was not obliged to pay for the goods as it was instead the final Brazilian buyer - which belonged to the same economic group as the German company - that was bound to pay. The core of the controversy concerned the proper qualification of the importation agreement concluded by the two Brazilian companies, i.e., whether it was an under-order or an account-and-order importation agreement under Brazilian law, to determine which party was bound to pay for the goods.
While the first instance Court decided in favor of the Brazilian importer, the Court of Appeal reformed the decision.
Based on the evidence produced by the parties, the Court of Appeal found that the contract entered into by the Brazilian importer with the Brazilian retailer was to qualify as an under-order importation agreement. As a consequence, the Court held that the contractual relationship established between the German company and the Brazilian importer could not be qualified other than as an international sales contract. The Court applied art. 11 CISG to conclude that the existence of a contract could be proved by any means and, in that case, it was proved by (a) the under-order importation agreement, which expressly stated that the Brazilian importer was obliged to buy the goods, and (b) the acknowledgment by the Brazilian importer that it had bought the products from the German company with its own financial resources. Therefore, even if there was no proof of a written contract between the parties, the Court ordered the Brazilian importer to pay for the goods it had bought.
Fulltext
Lindner Aktiengesellschaft Decken-Boden Trennwandsysteme promoveu ação de cobrança contra Orientador Alfadengário Comercial Importadora e Exportadora Ltda, em que requer o pagamento de R$ 2.157.284,32 (dois milhões cento e cinquenta e sete mil duzentos e oitenta e quatro reais e trinta e dois centavos), referente a produtos importados pela autora, a qual teve seus pedidos julgados improcedentes e a autora restou condenada a pagar, à empresa ré, a os encargos de sucumbência.
Não conformada, a autora Lindner Aktiengesellschaft Decken-Boden Trennwandsysteme, doravante denominada Lindner alemã, interpôs recurso de apelação objetivando a reforma da sentença e, assim, a procedência dos pedidos deduzidos na ação.
Válido anotar, de antemão, que não importa para a presente demanda se a Lindner Brasil pagou indevidamente valor à ré Orientador Alfandegário, tampouco o que a autora ou a Lindner Brasil devem à ré, porquanto o que é tratado nesta lide é tão somente a suposta dívida da ré em relação à autora, devendo cada uma das partes, se for de seu interesse, promover ação própria para resguardar os direitos que alega.
A apelante argumenta, em resumo, que todos os documentos juntados aos autos comprovam a relação negocial mantida entre as partes, bem como que a empresa ré é devedora dos produtos que importou.
Ao decidir a lide, o juiz da causa ponderou (fl. 1279):
‘In casu, há indícios, em tese, de um contrato entabulado entre as partes [...], porém não se vislumbra os termos da pactuação firmada entre os contendores, ou seja, se por encomenda ou por conta e ordem, ponto sobre o qual incidiu a controvérsia (p. 1.028).
Registra-se que o aludido instrumento contratual era indispensável para se aferir aquilo que restou convencionado pelos contratante e comprovar substancialmente o direito da autora em relação ao débito perseguido (art. 333, I, do CPC).
Gize-se, ainda, que as notas fiscais e planilhas acostadas por ambas as partes são insuficientes para demonstrar o eventual descumprimento daquilo que restou estipulado e imputar à demandada a culpa pela malfadada transação.’
Da análise dos autos extrai-se que a empresa ré firmou com a empresa Lindner Brasil Interiores Comércio e Representação Ltda. contrato de importação por encomenda (fls. 1051-1057), sendo que todo imbróglio ora analisado é resultado da referida transação, uma vez que a ré Orientador Alfandegário importou, por encomenda, os produtos da autora Lindner alemã para a empresa Lindner Brasil Interiores Comércio e Representação Ltda, a qual não integra a lide.
Necessário também registrar que a celebração de contrato de importação por encomenda com a empresa Lindner Brasil Interiores Comércio e Representação Ltda., pela ré, é fato incontroverso nos autos; primeiro, porque anexado o referido pacto às fls. 1.051-1057; segundo, porque autora e ré, em todas as manifestações, corroboram tal fato, conforme se destaca de trechos das petições juntadas ao processo:
‘De forma irregular, a Ré realizou em nome próprio a importação direta dos produtos da Autora e tentou vende-los à Lindner Brasil Interiores - Comércio e Representação Ltda’. (fl. 3 da petição inicial).
‘O contestante (ORIENTADOR ALFANDEGÁRIO COMERCIAL, IMPORTADORA E EXPORTADORA LTDA.) realizou importação por Encomenda, adquirindo, no exterior (Alemanha), com dinheiro próprio, mercadorias e promovendo o seu despacho aduaneiro, a fim de revender aquelas (mercadorias) à empresa encomendante, previamente definida no contrato, cujo objeto, obrigatoriamente, prevê as operações pactuadas (art. 2. § 1º, inciso I, IN SRF n. 634/060.’ (fl. 1.034 da contestação).
Dessa forma, de início, imperioso destacar que o serviço de importação por encomenda somente poderia ter ocorrido entre a ré e a empresa Lindner Brasil, uma vez que os produtos oferecidos pela demandante foram importados e adquiridos a pedido da Lindner Brasil, logo, com a autora Lindner (alemã) a relação não pode ser de importação, mas apenas de compra e venda de mercadoria internacional.
Assim, reconhece-se que a relação comercial entre a ré e a autora nunca foi de importação, pois a autora é o exportador estrangeiro, motivo pelo qual não existe um contrato de importação por encomenda ou por conta e ordem a ser juntado nos autos, pois, frisa-se, a importação aconteceu em relação à Lindner Brasil (pessoa jurídica que não integra o processo).
Tais fatos são corroborados pelos documentos emitidos pela Receita Federal e acostados às fls. 345-361, nos quais as empresas ora mencionadas são assim qualificadas:
‘Importador: Orientador Alfandegário Comercial Importadora e Exporta
Adquirente da Mercadoria: Orientador Alfandegário Comercial Importadora e Exporta
Encomendante: Lindner Brasil
Exportador/Fabricante/Produtor: Lindner AG
País: Alemanha’
Sopesando ser fato incontroverso a ocorrência de contrato de importação por encomenda entre a demandada e a Lindner Brasil, oportuno também registrar o conceito dado pela Receita Federal sobre tal modalidade de negócio, veja-se:
‘A importação por encomenda é aquela em que a pessoa jurídica importadora é contratada para promover, em seu nome e com recursos próprios, o despacho aduaneiro de importação de mercadoria estrangeira por ela adquirida no exterior para revenda a encomendante predeterminado (art. 3º da IN RFB nº 1.861/2018).
Assim, como na importação por encomenda o importador adquire a mercadoria junto ao exportador no exterior, providencia sua nacionalização e a revende ao encomendante, tal operação tem, para o importador contratado, os mesmos efeitos fiscais de uma importação própria.
Em última análise, em que pese à obrigação do importador de revender as mercadorias importadas ao encomendante predeterminado, é aquele e não este que pactua a compra internacional e deve dispor de capacidade econômica para o pagamento da importação, pela via cambial. Da mesma forma, o encomendante também deve ter capacidade econômica para adquirir, no mercado interno, as mercadorias revendidas pelo importador contratado.’ (Disponível em: http://receita.economia.gov.br/noticias/ascom/2018/agosto/receita-federal-desburocratiza-importacao-por-conta-e-ordem-e-importacao-por-encomenda, acesso em 11-4-2019) (grifou-se).
Outra condição para que a importação seja considerada por encomenda é que a operação seja realizada integralmente com recursos do importador contratado, pois, do contrário, seria considerada uma operação de Importação por Conta e Ordem. (Disponível em: http://receita.economia.gov.br/orientacao/aduaneira/manuais/despacho-de-importacao/topicos-1/importacao-por-conta-e-ordem-e-importacao-por-encomenda-1/importacao-por-encomenda/requisitos-condicoes-e-obrigacoes-tributarias-acessórias, acesso em: 11-4-2019).
Portanto, em se tratando de importação por encomenda, é o importador (empresa ré), por seus próprios recursos, quem adquire (compra) a mercadoria no exterior para, posteriormente, revendê-la no país ao encomendante (Lindner Brasil), tanto é que no contrato firmado com a Lindner Brasil foi estipulado:
‘2.4 A ENCOMENDANTE pagará à IMPORTADORA POR ENCOMENDA, após a entrega da mercadoria, o valor correspondente a todos os custos incidentes sobre a operação de importação da IMPORTADORA POR ENCOMENDA, presentes ou futuras, que venham a ser criadas quando da transferência das mercadorias à ENCOMENDANTE, ou decorrentes de qualquer outro ato que este dê ensejo.
[...].
3.1 - A IMPORTADORA POR ENCOMENDA, pelo presente contrato, realizará todas as operações necessárias para a concretização da compra e importação do bem objeto da transação, por encomenda da ENCOMENDANTE, executando, sob procuração, todos os aos comerciais, aduaneiros, logísticos e normativos correspondentes.
[...].
3.8 Todas as despesas de fretes, impostos, taxas, despachos, seguros, armazenagem, custos aduaneiros e demais cominações legais, tributarias ou normativas, decorrentes da importação, serão pagas pela IMPORTADORA POR ENCOMENDA. (fls. 1.0151-1.057)’. (grifou-se).
Aliás, foi exatamente isso que a alegou a parte demandada em sua defesa, senão vejamos:
‘O contestante (ORIENTADOR ALFANDEGÁRIO COMERCIAL, IMPORTADORA E EXPORTADORA LTDA.) realizou importação por Encomenda, adquirindo, no exterior (Alemanha), com dinheiro próprio, mercadorias e promovendo o seu despacho aduaneiro, a sim de revender aquelas (mercadorias) à empresa encomendante, previamente definida no contrato, cujo objeto, obrigatoriamente, prevê as operações pactuadas (art. 2. § 1º, inciso I, IN SRF n. 634/060.’ (fl. 1.034 da contestação).
Ora, se a autora diz que não foi remunerada pelos produtos, se a cláusula n. 3.1 do contrato de fls. 1.051-1.057 afirma que é da importadora o ônus de concretizar a compra, se a ré informou que comprou os produtos com recursos próprios, é evidente que houve um negócio jurídico de compra e venda internacional entre os litigantes, cuja comprovação prescinde de instrumento formal, conforme determina o art. 11 da Convenção das Nações Unidas sobre Contrato de Compra e Venda Internacional de Mercadorias, da qual o Brasil é signatário, promulgada por meio do Decreto n. 8.327/2014, que assim dispõe:
‘Art. 11. O contrato de compra e venda não requer instrumento escrito nem está sujeito a qualquer requisito de forma. Poderá ele ser provado por qualquer meio, inclusive por testemunhas’.
Sobre a norma citada, Luiz Gustavo Meira Moser e Francisco Augusto Pignatta ensinam:
‘A ideia atual de contrato desenvolveu-se na Idade Moderna, surgindo a noção de liberdade contratual a partir da premissa de que os sujeitos somente se obrigam em razão de sua própria vontade.
[...] para a vinculação jurídica das partes basta o seu consentimento em celebrar o contrato, sendo a forma dispensável para atingir aquele propósito. É adotado no art. 11 da CISG e não é estranho a nenhum dos sistemas jurídicos em análise, por isso não requer maiores aprofundamentos. Apenas lembramos o seu parentesco genético com o mais amplo da princípio da autonomia da vontade, igualmente orientador da teoria dos contratos de todos os sistemas legais.
O art. 11 prevê a liberdade de forma para a conclusão do contrato de compra e venda internacional de mercadorias. A possibilidade de ser concluído oralmente é consagrada e sua existência pode ser aprovada por qualquer meio legítimo. Dessa forma, tanto uma carta ou um e-mail que contenha os detalhes da negociação entabulada entre as partes, quanto uma invoice ou letra de câmbio, por exemplo, são instrumentos aptos a demonstrar existência da transação comercial.’ (Comentários à Convenção de Viena Sobre Contrato de Compra e Venda Internacional de Mercadorias (CISG): visão geral e aspectos pontuais. São Paulo: Atlas, 2015, p. 25-26).
Acerca da compra e venda, em sentido amplo, extrai-se da doutrina de Arnaldo Rizzardo:
‘De modo geral, não se submete a compra e venda a formas especiais. É livre a sua constituição. Mesmo verbalmente é admitida, como sempre aconteceu. [...].
A prova testemunhal pesa como subsidiária ou complementar da prova por escrito,qualquer que seja o valor do negócio jurídico, segundo o parágrafo único do art. 227 do diploma civil [...].’ (Contratos. 12 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 297)
Silvio de Salvo Venosa também leciona: "A compra e venda não se submete como regra geral, à forma especial. Pode ser ultimada verbalmente ou por escrito, público ou particular. Em sua essência, o contrato é meramente consensual". (Direito civil: contratos em espécie. 12.Ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 16-17 - Coleção de direito civil; v. 3).
Logo, ao contrário do decidido na sentença impugnada, a ausência do instrumento contratual não impede a autora de efetuar a cobrança dos produtos objetos da transação internacional, desde que a existência de relação negocial seja provada por outros meios, que, no caso em apreço, restou incontroversa, uma vez que a parte ré em nenhuma oportunidade negou a existência de negócio jurídico com a autora; pelo contrário, afirmou que a autora não cumpriu com suas obrigações contratuais.
Anote-se, oportunamente, que não se olvida da prova oral colhida na audiência de fl. 1236, em que houve controvérsia sobre o momento no qual a ré entrou no negócio, se antes da mercadoria chegar no Brasil ou se após e, até mesmo, se foi ela quem efetivamente comprou os produtos, todavia, nos termos expostos à exaustão, em sua defesa a ré afirma que comprou os produtos com recursos próprios, além de o contrato de importação (fls. 1051-1057) também confirmar a transação, logo, não é permitido menosprezar a prova produzida pela própria ré em detrimento do que falaram os informantes e as testemunhas.
Sopesando estar superada a existência do negócio, bem como que todas as evidências contidas nos autos comprovam que a mercadoria chegou ao Brasil, tanto é que a ré cobra da encomendante (Lindner Brasil) os valores correspondentes (descritos nas notas fiscais anexadas às fls. 1.063-1113), resta apenas verificar o quanto a ré comprovou haver pago à autora pelos produtos.
Ocorre que, nos termos já mencionados, a ré em nenhum momento impugnou a quantia cobrada pela autora, muito menos juntou aos autos comprovantes de pagamento, logo, por não ter se desincumbido do ônus de demonstrar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da autora (art. 373, II, do CPC/2015 correspondente ao art. 333, I, do CPC/73), impõe-se reconhecer como devida a quantia comprovada pela autora-apelante.
Calha destacar, mais uma vez, que em sua contestação, a ré afirmou que adquiriu com recursos próprios as mercadorias encomendadas, logo, bastava apenas que informasse/comprovasse a forma pela qual pagou tais produtos para se desvencilhar da obrigação que lhe está sendo exigida, o que não fez e era seu ônus.
Com efeito, dispõe o art. 300 do CPC/1973, correspondente ao art. 336 do CPC/2015:
‘Art. 300. Compete ao réu alegar, na contestação, toda a matéria de defesa, expondo as razões de fato e de direito, com que impugna o pedido do autor e especificando as provas que pretende produzir’.
Ao tecerem comentário sobre o tema, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery lecionam:
‘Por este princípio, o réu deve alegar, na contestação, todas as defesas que tiver contra o pedido do autor, ainda que sejam incompatíveis entre si, pois, na eventualidade de o juiz não acolher uma delas, passa a examinar a outra. Caso o réu não alegue, na contestação, tudo o que poderia, terá havido preclusão consumativa, estando impedido de deduzir qualquer outra matéria de defesa depois da contestação, salvo o disposto no CPC 342. A oportunidade, o momento processual em que pode defender-se, é a contestação’. (Código de Processo Civil Comentado. 16. Ed. São Paulo, RT: 2016, p. 1005)
Do escólio de Humberto Theodoro Júnior também extrai-se:
‘Como autêntico direito de ação, o direito de defender-se não está vinculado ao direito material. É puramente processual, tanto que, mesmo sem o menor resquício de amparo em direito substancial comprovado, sempre se assegura ao réu o direito formal de formular sua contestação ao pedido do autor.
Há, porém, profunda diferença entre a ação do autor e a contestação do réu. Na ação, o autor formula uma pretensão, faz um pedido. Diversamente, na defesa, não se contém nenhuma pretensão, mas resistência à pretensão e ao pedido do autor.
O contestante, na realidade, ao usar o direito abstrato de defesa, busca tão somente libertar-se do processo em que o autor o envolveu. Isto pode ser feito de duas maneiras, isto é:
(a) por intermédio de ataque à relação processual, apontado-lhe vícios que a invalidem ou tornem inadequada ao fim colimado pelo autor; ou
(b) por meio de ataque ao mérito da pretensão do autor.
Contestação, portanto, é o instrumento processual utilizado pelo réu para apor-se, formal ou materialmente, à pretensão deduzida em juízo pelo autor.
[...].
Além do ônus de defender-se, o réu tem, no sistema de nosso Código, o ônus de impugnar especificamente todos os fatos arrolados pelo autor. Pois dispõe o art. 341 do NCPC que "incumbe também ao réu manifestar-se precisamente sobre as alegações de fatos constantes da petição inicial", sob pena de presumirem-se verdadeiras "as não impugnada". È, de tal sorte, ineficaz a contestação por negação geral, bem como a "a que se limita a dizer não serem verdadeiros os fatos aduzidos pelo autor"’. (Curso de Direito Processual Civil. 59. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 830-832).
Ademais, o art. 333, II, do CPC/1973, correspondente ao art. 373, II, do CPC/2015, dispõe:
‘Art. 333. O ônus da prova incumbe:
I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;
II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.’
Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero também ensinam:
‘O art. 373, caput, distribui o ônus da prova de acordo com a natureza de fato a provar; ao autor cumpre provar a alegação que concerne ao fato constitutivo do direito por ele afirmado; ao réu, a alegação de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito afirmado pelo autor. A partes têm o ônus de alegar e o ônus de provar conforme nosso CPC. A atribuição do ônus da prova no direito brasileiro é realizada de maneira fixa pela nossa legislação.
[...].
Como regra de julgamento, o ônus da prova destina-se a iluminar o juiz que chega ao final do procedimento sem se convencer sobre as alegações de fato da causa. Nessa acepção, o art. 373, CPC, é um indicativo para o juiz livrar-se do estado de dúvida e decidir o mérito da causa. Tal dúvida dever ser suportada pela parte que têm o ônus da prova. Se a dúvida paira sobre a alegação de fato constitutivo, essa deve ser paga pelo demandante, tendo o juiz de julgar improcedente o seu pedido, ocorrendo o contrário em relação às demais alegações de fato’. (Código de Processo Civil comentado. 3. Ed. São Paulo: RT, 2018, p. 505-506).
Portanto, é dever da parte ré, ao apresentar defesa, impugnar especificamente os pedidos deduzidos na petição inicial, além de demonstrar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito alegado pela autora.
Nos autos em tela, em detida análise dos documentos juntados ao processo, verifica-se que a autora Lindner (alemã) afirma que o valor dos produtos vendidos para a ré totalizam R$ 1.654.635,30 (um milhão seiscentos e cinquenta e quatro mil seiscentos e trinta e cinco reais e trinta centavos), que atualizados até a data da propositura da ação resultam em R$ 2.157.284,32 (dois milhões cento e cinquenta e sete mil duzentos e oitenta e quatro reais e trinta e dois centavos - fl. 7).
Para chegar no total devido, a autora correlacionou as faturas emitidas para o embarque das mercadorias com as notas fiscais lançadas pela ré, conforme tabela de fl. 06 da petição inicial. Necessário apenas registrar que com relação ao valor de R$ 15.805,45 (quinze mil oitocentos e cinco reais e quarenta e cinco centavos), referente à VT 72, não houve a indicação da nota fiscal correspondente, conforme anotação realizada pela própria demandante à fl. 07.
A ré, por sua vez, ao apresentar a defesa, em nenhuma linha impugnou o valor requerido pela autora, valendo-se apenas dos argumentos de que tanto a Lindner Brasil como a autora ainda lhe devem, em razão dos negócios celebrados.
Salta aos olhos, no entanto, que nas diversas afirmações quanto ao valor que a empresa Lindner Brasil lhe deve, a ré afirmou:
‘2.8. Assim sendo, cobrou o ORIENTADOR ALFANDEGÁRIO COMERCIAL, IMPORTADORA E EXPORTADORA LTDA. o débito de R$ 1.638.829,85 (um milhão seiscentos e trinta e oito mil, oitocentos e vinte e nove reais e oitenta e cinco centavos) referentes aos valores de negócio das Notas Fiscais n° 221/222/223/224/225/232/215/ 216/217/218/219/220/231/210/211/212/213/214/233/201/208/236/237/242/191/197/199/207/253/274/246/247/272/252/273/248/275/4255/4257/4260/4261/4262/4263/4264/4265/4271 (doc. 07). (fl. 1026-1027)’ (grifou-se).
As mencionadas notas fiscais foram acostadas às fls. 1063-1113, as quais discriminam os produtos vendidos à Lindner Brasil e que correspondem aos produtos descritos nas faturas de fls. 34-332, pois a título de amostragem, cita-se a fatura de fls. 162-165, traduzida às fls. 175-177 (número do pedido BI11/113734), cujas mercadorias são as exatas mercadorias descritas na nota fiscal de fl. 1063.
Ademais, curiosamente, se subtrair o valor de R$ 15.805,45 (quinze mil oitocentos e cinco reais e quarenta e cinco centavos - mencionado pela autora que é referente à VT 72, mas sem a indicação da nota fiscal correspondente) do valor total dos produtos informados pela demandante (R$ 1.654.635,30), chega-se ao total de 1.638.828,85, quantia que diverge em apenas um real do valor apontado pela ré às fls. 1026-1027 como quantum que lhe é devido pela Lindner Brasil (encomendante da mercadoria).
Ora, é crível que o valor devido pela Lindner Brasil à ré Orientador Alfandegário, referente às notas fiscais de números 221, 222, 223, 224, 225, 232, 215, 216, 217, 218, 219, 220, 231, 210, 211, 212, 213, 214, 233, 201, 208, 236, 237, 242, 191, 197, 199, 207, 253, 274, 246, 247, 272, 252, 273, 248, 275, 4255, 4257, 4260, 4261, 4262, 4263, 4264, 4265 e 4271 (fls. 1063-1113), corresponda ao valor das mercadorias devidas pela ré à autora, uma vez que, repita-se, a ré comprou da autora os produtos que revendeu à Lindner Brasil.
Dessa forma, sopesando todas as considerações expostas, notadamente a falta de impugnação ao valor cobrado pela autora, impõe-se dar provimento ao recurso para modificar a sentença de improcedência para de procedência dos pedidos iniciais, declarando como devido pela ré à autora o valor de R$ 1.638.828,85 (um milhão seiscentos e trinta e oito mil oitocentos e vinte e oito reais e oitenta e cinco centavos), correspondente aos produtos descritos nas faturas de fls. 34-332 e notas fiscais de fls. 1063-1113, conforme planilha de fl. 07, excluindo-se somente o valor de R$ 15.805,45 (quinze mil oitocentos e cinco reais e quarenta e cinco centavos) referente à VT 72, pois não possui nota fiscal correspondente nos autos.
Sobre o valor devido, considerando se tratar de débito com termo certo de vencimento, deve incidir correção monetária mensal pelo INPC e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, ambos a contar da data do vencimento da dívida, nos termos do art. 397 do Código Civil, que dispõe: "O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor".
Mora ex re. A norma cuida da mora automática, ou mora ex re, vale dizer, encontra-se na própria coisa (in re ipsa), independendo de notificação ou interpelação para constituir-se o devedor em mora. O só fato do inadimplemento constitui o devedor, automaticamente, em mora. Para tanto é preciso que a obrigação seja positiva, líquida e com termo certo de vencimento. [...] (NERY JÚNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado. 12ª ed: Revista dos Tribunais. São paulo. 2018. p. 906).
Nesse sentido, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
‘EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA - JUROS MORATÓRIOS - AÇÃO MONITÓRIA - NOTA PROMISSÓRIA - RESPONSABILIDADE CONTRATUAL - VENCIMENTO DA DÍVIDA.
1.- Embora juros contratuais em regra corram a partir da data da citação, no caso, contudo, de obrigação contratada como positiva e líquida, com vencimento certo, os juros moratórios correm a partir da data do vencimento da dívida.
2.- Emissão de nota promissória em garantia do débito contratado não altera a disposição contratual de fluência dos juros a partir da data certa do vencimento da dívida.
3.- O fato de a dívida líquida e com vencimento certo haver sido cobrada por meio de ação monitória não interfere na data de início da fluência dos juros de mora, a qual recai no dia do vencimento, conforme estabelecido pela relação de direito material.
4.- Embargos de Divergência providos para início dos juros moratórios na data do vencimento da dívida.
EREsp 1250382/RS, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Corte Especial, j. 2-4-2014)’.
E, desta Corte de Justiça:
‘APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. NOTA PROMISSÓRIA. SENTENÇA IMPROCEDENTE. INSURGÊNCIA DO EMBARGANTE. PRELIMINAR. INÉPCIA DA AÇÃO. AUSÊNCIA DA PROCURAÇÃO. VÍCIO SANÁVEL. REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL QUE RESTOU DEVIDAMENTE REGULARIZADA. REJEIÇÃO. MÉRITO. ENCARGOS MORATÓRIOS. TÍTULO EXECUTIVO. MORA EX RE (ART. 397 DO CC). JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA A CONTAR DO VENCIMENTO. Recurso improvido’. (TJSC, Apelação Cível n. 0300138-65.2014.8.24.0063, de São Joaquim, rel. Des. Guilherme Nunes Born, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 13-10-2016).
‘APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO MONITÓRIA FUNDADA EM NOTAS PROMISSÓRIAS. CITAÇÃO POR EDITAL. CURADOR ESPECIAL NOMEADO. APRESENTAÇÃO DE EMBARGOS MONITÓRIOS. SENTENÇA DE REJEIÇÃO. PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS EXORDIAIS. INSURGÊNCIA DO EMBARGANTE. [...]. ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA QUE INCIDE A PARTIR DO VENCIMENTO DOS TÍTULOS. PRECEDENTES DESTA CORTE. JUROS DE MORA QUE FLUEM A PARTIR DO VENCIMENTO DA OBRIGAÇÃO. DICÇÃO DO ART. 397 DO CÓDIGO CIVIL. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS RECURSAIS DEVIDOS EM FAVOR DO ADVOGADO DA RECORRIDA EM RAZÃO DA ATUAÇÃO NESTE GRAU RECURSAL. EXEGESE DO ART. 85, §§ 1º E 11, DA NORMA PROCESSUAL. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.’ (TJSC, Apelação Cível n. 0021355-19.2011.8.24.0008, de Blumenau, rel. Des. Jaime Machado Junior, Terceira Câmara de Direito Comercial, j. 20-09-2018).
[...]
Dispositivo do voto
Ante o exposto, manifesto-me por conhecer e dar provimento ao recurso para reformar a sentença (de improcedência) e, por conseguinte, julgar procedentes os pedidos da ação para condenar a ré a pagar à autora o valor de 1.638.828,85 (um milhão seiscentos e trinta e oito mil oitocentos e vinte e oito reais e oitenta e cinco centavos), sobre o qual incide correção monetária mensal pelo INPC e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, ambos a contar da data do vencimento do débito (art. 397 do CC), com inversão dos ônus de sucumbência, nos termos da fundamentação supra.
É o voto.”}}
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