Data

Date:
21-10-2010
Country:
Portugal
Number:
1285/07.7TJVNF.P1.S1
Court:
Supremo Tribunal de Justiça
Parties:
--

Keywords

SALES CONTRACT - BETWEEN A PORTUGUESE BUYER AND A SPANISH SELLER - UNIDROIT PRINCIPLES AS A MEANS FOR INTERPRETING DOMESTIC LAW (PORTUGUESE LAW)

TERMINATION OF CONTRACT - DAMAGES FOR BREACH OF CONTRACT - AGGRIEVED PARTY ENTITLED TO FULL COMPENSATION FOR HARM, INCLUDING LOSS OF PROFIT (ARTICLES 7.3.5(2) AND 7.4.2 UNIDROIT PRINCIPLES)

Abstract

A Portuguese buyer and a Spanish seller concluded a contract for the sale of clothes. After delivery the goods turned out to be defective. The buyer then sued the seller claiming termination of contract, reimbursement of the price and damages for breach of contract.

The Court of First Instance granted the buyer the restitution of the price paid plus interest, but rejected its claim for loss of profits since, according to the Court, the latter request could not be combined with termination of contract.

The Court of Appeal (see Tribunal da Relacao do Porto of 4 January 2010 in UNILEX) pointed out that there are conflicting views on the possibility of combining termination of contract with expectation damages. While under the traditional approach the party who has terminated the contract cannot rely on it to get compensation for damages that imply the execution of the contract, another more modern approach admits the aforesaid combination. In the case at hand, however, the Court held that the buyer was not entitled to compensation of loss of profits, resulting from failure to resell the goods at a higher price, because the risks inherent in this sale (lack of customers, theft, etc.) cannot be transferred to the seller in the event of contract termination.

The Supreme Court reversed the decision of the Court of Appeal and granted the buyer compensation also for loss of profit resulting from failure to resell the goods at a higher price. In support of its decision the Court referred among others to Articles 7.3.5(2) and 7.4.2 of the UNIDROIT Principles.

Fulltext

[...]

III – Fundamentação jurídica

A única questão que a recorrente traz à apreciação deste Supremo Tribunal prende-se com o direito à indemnização, pelo interesse contratual positivo – lucros que a Autora e ora recorrente terá deixado de obter pela impossibilidade de venda da mercadoria objecto do contrato – cumulativamente com a resolução contratual.

O contrato em apreço, como bem decidiu a Relação, configura, um contrato de compra e venda comercial.

A cessação deste tipo de contrato pode ocorrer por acordo das partes, por caducidade, por denúncia ou por resolução.

A resolução consiste na destruição da relação contratual, validamente constituída, operada por um acto posterior de vontade de um dos contraentes, que pretende fazer regressar as partes à situação em que elas se encontrariam se o contrato não tivesse sido celebrado (cfr., neste sentido, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, II, 2.ª edição, 1974, p. 238).

Neste circunstancialismo optou a Autora pela resolução do contrato, a qual – conforme supra referido – encerra a destruição da relação contratual, colocando as partes na situação que teriam se o contrato não tivesse sido celebrado, já que, em princípio, produz os mesmos efeitos da nulidade ou anulabilidade do negócio (art. 433.º do CC).

Em caso de resolução contratual, a posição clássica, comum a vários autores, é a de que a tutela do direito indemnizatório se resume ao interesse contratual negativo (cfr., entre outros Almeida Costa, Direito das Obrigações, 6.ª ed., p. 918; Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. II, p. 109; Menezes Leitão, Direito das Obrigações, II, p. 259), tendo sido igualmente essa a posição acolhida por grande parte da jurisprudência do STJ (de que são exemplo os Acórdãos de 26-03-1998, 19-04-1999, 03-09-2004, 02-12-2004, 12-07-2005, 21-03-2006, 23-01-2007, 17-05-2007, 22-01-2008, 22-04-2008 e 23-10-2008, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt).

Não obstante, não é despiciendo referir a existência de uma corrente que, recusando esta construção, admite – no caso de resolução contratual – o preenchimento indemnizatório com, ou também com, os danos positivos.

Esta doutrina inicialmente defendida por Vaz Serra (BMJ, 47.º, p. 40), foi posteriormente sustentada por Romano Martinez (Da cessação do Contrato, p. 208), Ana Prata (Cláusulas de Exclusão e Limitação da Responsabilidade Contratual, p. 479), Galvão Telles (Direito das Obrigações, 7.ª ed., p. 463) e mais recentemente Paulo Mota Pinto (Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo).

Na realidade a possibilidade de exigir uma indemnização por não cumprimento (correspondente ao interesse no cumprimento), em caso de resolução do contrato, foi defendida nas primeiras décadas do século passado, designadamente em respostas a consultas na Revista de Legislação e Jurisprudência (v.g. RLJ, n.º 36 -1903-194 – pág. 90- 92) e por Guilherme Moreira (Instituições do Direito Civil Português, tomo II, pág. 566 e segs.). Na altura a questão era discutida a propósito da possibilidade de cumulação da “rescisão” por não cumprimento e a indemnização, a qual era maioritariamente afirmada sem, por vezes, se precisar o alcance o medida desta indemnização. A doutrina que admitia a compatibilidade entre a resolução e a indemnização por não cumprimento parecia então predominante, entendendo que a indemnização cumulável era a indemnização pelo não cumprimento (a que se referia o art. 708.º do Código de Seabra).

[...]

No entanto a posição, que defendia a incompatibilidade de cumulação entre a resolução do contrato e a indemnização correspondente ao interesse positivo, tornou-se largamente dominante na doutrina, sobretudo com base nos argumentos dos efeitos retroactivos da resolução e da incoerência da posição do credor ao pretender, depois de ter optado por extinguir o contrato pela resolução, basear-se nele para obter uma indemnização correspondente ao interesse no seu cumprimento.

E se assim foi na doutrina, também na jurisprudência a orientação foi semelhante, no sentido de computar a indemnização exigida pelo credor como correspondendo ao interesse contratual negativo, não lhe permitindo reclamar uma indemnização pelo interesse no cumprimento, rompendo-se assim com a linha jurisprudencial seguida e defendida no domínio do Código de Seabra.

Importa ainda referir, por não ser despiciendo, que as divergências sobre a possibilidade de cumular uma indemnização – e designadamente uma indemnização por não cumprimento – com a resolução do contrato em termos de direito comparado têm vindo a diminuir, assistindo-se a um consenso cada vez maior no sentido de que nada se deve opor a tal cumulação (nesse sentido direito francês, alemão, italiano, austríaco, suíço e países da Common Law).

Mas, para além dessa solução vigorar em muitas jurisdições europeias, e não só, é também a que resulta da Convenção de Viena sobre Contratos de Venda Internacional de Mercadorias (arts. 45.º, 49.º e 74º), dos Princípios Unidroit sobre Contratos Comerciais Internacionais (arts. 7.3.5, n.º 2, e 7.4.2) e dos Princípios de Direito Europeu dos Contratos (arts. 9.305, n.º 1 e 9.502).

A opção por uma ou outra doutrina terá de encontrar a sua razão de ser na conceptualização da resolução contratual: se vista como destruidora da relação contratual, a tese clássica é a única que se coaduna; se vista como reintegradora dos interesses em jogo, o ressarcimento pelos danos positivos pode ter razão de ser nalguns casos (cfr., neste sentido, o Acórdão do STJ de 12-02-2009, Relator: Cons. João Bernardo, www.dgsi.pt).

[...]

Nesta matéria podemos encontrar um grande contributo na dissertação de doutoramento em ciências jurídico-civilisticas, entregue em 2007 na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e defendida em provas públicas em Janeiro de 2008, de Paulo Mota Pinto e publicada posteriormente: com o título já referido de Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, Vols. I e II, Coimbra Editora, Dezembro de 2008.

A posição adoptada por Paulo Mota Pinto vai no sentido da cumulabilidade entre a resolução e a indemnização (calculada nos termos do método da diferença), mas não sem antes fazer o confronto com as razões em que se sustenta a doutrina maioritária, designadamente com o argumento da contrariedade na posição do resolvente que destrói o contrato e pede simultaneamente indemnização pelo não cumprimento.

Quanto ao argumento histórico refere Paulo Mota Pinto que a tradição jurisprudencial e doutrinal no domínio do Código de Seabra não limitava a indemnização ao interesse contratual negativo. Refere ainda os trabalhos preparatórios, pois que se a alteração do anteprojecto de Vaz Serra terá visado num primeiro momento afastar a referida cumulação, o certo é que não acabou por ficar consagrada expressamente qualquer limitação, sendo a letra do art. 801.º, n.º 2, do CC inconclusiva.

Quanto aos argumentos sistemáticos, baseados na comparação da letra do art. 801.º, n.º 2, do CC com os efeitos retroactivos previstos para a resolução, entende o mesmo autor que os mesmos não se afiguram decisivos: dos preceitos do CC não resulta qualquer indicação que imponha claramente uma ou outra posição, e tanto assim é que a controvérsia doutrinal se manteve desde a entrada em vigor desse mesmo código.

No plano jurídico-positivo a posição maioritária apoia-se no regime geral dos efeitos da resolução e retroactividade da resolução, esquecendo que o regime dos arts. 433.º e 434º do CC (sobre os efeitos entre as partes equiparados aos da invalidade) não disciplinam directamente a questão da medida da indemnização devida em caso de resolução. O cerne da argumentação dessa posição tem desde sempre estado nos efeitos ex tuncda resolução, que não só tornariam objectivamente contraditória a emergência de uma pretensão indemnizatória pelo interesse no cumprimento com base num contrato que foi destruído, bem como fundamentam a objecção dirigida subjectivamente ao credor de que ele optou por destruir o contrato, não podendo coerentemente querer fazê-lo valer por via indemnizatória.

Não obstante, entende Paulo Mota Pinto que esta posição não é consistente quer no plano teórico, quer no plano lógico, no que toca à compreensão do alcance e das consequências da retroactividade da resolução. Nas suas palavras “…a verdade é que uma irrestrita retroactividade da resolução poria evidentemente em causa, não só o fundamento de uma indemnização por não cumprimento, como, mesmo, o fundamento da resolução, isto é, a existência de um não cumprimento, já que o parâmetro contratual teria desaparecido ex tunc. É, com efeito, a própria fundamentação do direito de resolução no não cumprimento que já pressupõe uma limitação da retroactividade pelo fundamento da resolução. Ora, uma posição dogmaticamente consistente deve ligar o fundamento à finalidade da resolução. A resolução, como “remédio” sinalagmático para o inadimplemento pelo vendedor, não deve pôr em causa outras consequências do não cumprimento não consumidas por aquele, contrariando-as, nem atribuir uma posição ao resolvente que já aparece sem qualquer relação com o fundamento (como uma posição melhor do que aquela em que o lesado estaria com o cumprimento). A contenção da retroactividade da resolução por não cumprimento é, pois justificada porque um efeito retroactivo ilimitado iria contrariar o fundamento e própria finalidade da resolução (que é reagir a um inadimplemento, afastando as suas consequências sobre o sinalagma contratual)”. E continua acrescentando que “Se o argumento da retroactividade nunca poderia, pois, ser levado às últimas consequências, sob pena de contrariar o próprio fundamento da resolução (…) a verdade é que tal argumentação passa também ao lado da questão, decisiva, do fundamento para a atribuição de uma indemnização ao credor, e a sua relação com a medida desta” (ob. cit., vol. II, pág. 1644).

Na visão de Paulo Mota Pinto, a ligação entre o fundamento da responsabilidade civil do devedor, o “evento que obriga à reparação” (o não cumprimento) e a medida do dano, à luz do escopo da norma do art. 798.º aponta para a indemnização correspondente ao interesse no cumprimento, desde que se entenda que se está perante um caso de responsabilidade contratual.

A concepção/posição dominante assenta numa função da resolução puramente (ou essencialmente) repristinatória, destinada a colocar o credor lesado no status quo ante.
Ora, conforme refere Paulo Mota Pinto (ob. cit., vol. II, pág. 1648) “…o plano ou programa de efeitos do contrato se projecta em diversas dimensões, juridicamente relevantes, designadamente, como causa de uma certa composição ou conformação qualitativa do património como efeito do cumprimento e como mecanismo que fundamenta certas modificações quantitativas, de valor, também como consequência do adimplemento. Consequentemente, também estas duas dimensões, ou planos, são afectados pelo inadimplemento, portanto, com efeitos qualitativos e quantitativos, contra os quais a resolução e a indemnização constituem a nosso ver, distintos “remédios”: o primeiro, com origem no sinalagma das prestações, permitindo a restituição do prestado; o segundo com fins ressarcitórios, conduzindo ao ressarcimento dos prejuízos (sendo que existe, evidentemente, interferência do primeiro no segundo por com o cumprimento das obrigações de restituição ficar reduzido o dano)”. Assim “A resolução possibilita ao credor afastar as consequências, no plano qualitativo, do inadimplemento, obtendo a restituição da sua contraprestação, sem, porém, pôr o credor perante a alternativa de ter de renunciar ao lucro cessante do contrato – sendo certo, aliás, que as referidas dimensões (o lucro económico do contrato e o interesse na prestação que lhe era devida em espécie) não estavam colocadas em alternativa no ‘programa’ do contrato não cumprido, antes este proporcionava às partes a satisfação simultânea de ambas (e que é apenas por causa do não cumprimento que tal satisfação é impossibilitada)”.

Este Supremo Tribunal é sensível aos argumentos exaustivamente analisados e objectivamente desenvolvidos de forma sustentada por Paulo Mota Pinto, no sentido de inexistirem fundamentos para, em tese, afastar a possibilidade de se cumular a resolução do contrato com o pedido indemnizatório pelo interesse contratual positivo, admitindo, consequentemente, a referida cumulação. E dizemos em tese porque caso a caso, consoante o tipo de contrato e o circunstancialismo que o rodeia, tal poderá resultar num desequilíbrio ou benefício injustificado (caso disso é o Ac. de STJ de 14-10-2010, proferido na Revista n.º 3600/06.1TVLSB, com os mesmos Relator e Adjuntos, em que se negou tal indemnização em caso de resolução contratual, atendendo à factualidade provada).

Na realidade, a letra da lei não afasta tal possibilidade, a não adopção do que constava no anteprojecto de Vaz Serra não poderá ter a virtualidade de significar que a intenção do legislador foi exactamente a inversa (tal vontade não está expressa nem de forma perfeita, nem imperfeita), tanto mais que depois da entrada em vigor do Código a discussão não só se manteve como se intensificou, e intrinsecamente resulta impossível desassociar a resolução contratual do fundamento que esteve na sua origem, e que é, nem mais nem menos, um incumprimento contratual.

Por tudo isto somos do entendimento que, em regra – havendo que operar aqui o crivo a que no Ac. do STJ supra citado (de 12-02-2009 de que foi Relator o Cons. João Bernardo) se aludiu do equilíbrio e/ou benefício justificado, por contraposição aquele que levaria a um desequilíbrio manifesto e ostensivo – será admissível a cumulação da resolução do contrato com o pedido de indemnização pelo interesse positivo.

No caso dos autos, e face aos factos dados como provados pelas instâncias, é de aceitar a relevância do interesse contratual positivo, por a consideração do mesmo não levar a qualquer situação geradora de desequilíbrios ou benefícios injustificados, permitindo-se à Autora libertar-se do contrato sem para tal ter que renunciar aos lucros frustrados pelo seu não cumprimento.

Aqui chegados, resta apurar qual a medida dessa indemnização.

Também aqui continuamos a seguir de muito perto a brilhante tese de Paulo Mota Pinto.

Assim, defende este autor que o credor (em especial no contrato de compra e venda, que é exactamente o caso dos autos) que tenha sofrido um lucro cessante pode incluir no cômputo da indemnização tal perda, nos termos gerais dos arts. 562.º e ss. do CC.

Desse modo, o valor da prestação da coisa que o comprador deveria ter recebido tanto poderá ser:

- avaliado pela utilização lucrativa que aquele lhe daria, designadamente revendendo-a (e o dano corresponderá à diferença entre o preço do contrato e o preço numa revenda);

- a diferença entre o preço do contrato e o preço que o comprador tem de desembolsar para conseguir uma coisa igual (diferença entre o preço do contrato e o preço de aquisição com uma coisa igual).

No primeiro caso está verdadeiramente em causa uma indemnização que inclua o lucro cessante, enquanto no segundo o valor da prestação recebida se mede por um “preço de substituição”, realmente suportado, ou não.

Em qualquer destes casos, e quer o lesado seja o comprador quer seja o vendedor, o prejuízo do credor mede-se por uma diferença. Como refere Paulo Mota Pinto (ob. cit., vol. II., p. 1657) “Trata-se de uma diferença entre os valores da prestação e da contraprestação, que, tendo em conta a forma de avaliação da prestação em espécie, tanto pode ser uma diferença, para o dano do comprador: a) entre o preço do contrato e o preço da revenda; b) entre o preço do contrato e o preço numa compra de substituição; ou para o dano do vendedor: c) o preço do contrato e os custos do vendedor (designadamente o preço de abastecimento deste) ou d) entre o preço do contrato e o de uma venda de substituição ou cobertura”.

A consideração da situação em que o credor estaria se não se tivesse verificado o não cumprimento é, assim, perfeitamente compatível com a avaliação do prejuízo pela diferença entre o preço do contrato e o preço, seja do mercado de revenda (no caso do dano do comprador que inclua o lucro cessante), seja o do mercado de abastecimento do vendedor (prejuízo do vendedor que inclui o lucro cessante).

Esta avaliação do prejuízo – que inclui o lucro cessante – (art. 564º, n.º 1, do CC) baseia-se numa presunção de facto que resultará da verificação de que normalmente o comprador (maxime, se for comerciante) poderia realizar com a coisa o lucro correspondente ao preço da revenda.

[...]

IV – Decisão

No termos e com os fundamentos expostos, concede-se provimento à presente revista e, em consequência, revoga-se o acórdão recorrido, na parte em que absolveu a Ré do pedido indemnizatório, condenando-se a Ré BB SL a pagar à Autora AA – Concepção e Distribuição de Moda S.A. a quantia de € 20.628,30 acrescida de juros às taxas supra referidas até efectivo e integral pagamento.
Custas pela recorrida.}}

Source

Fulltext in Portuguese available at the Portuguese Supreme Court of Justice website, http://www.stj.pt/}}